Nos últimos anos, o Banco Central tem feito um trabalho sensacional quando se trata de inovação financeira, desenvolvendo tecnologias como o PIX e o Open Finance, antigo Open Banking, que mudou de nome recentemente para refletir o aumento de escopo. A transformação é tamanha que nos tornamos referência para o recém anunciado FedNow Americano -. É sempre um orgulho ver soluções brasileiras sendo usadas como benchmark internacional, ainda mais em um segmento tão importante como inovação financeira.
Essas iniciativas do BACEN têm o objetivo de aumentar a inclusão, eficiência e qualidade das soluções financeiras, visando um impacto positivo direto na sociedade. Com a implementação do Open Finance e do PIX, estamos fomentando um verdadeiro livre mercado para os consumidores: abaixando preços, taxas, juros e acabando com modelos de negócios predativos e com interesses desalinhados.
Recentemente, começaram a ir ao ar as primeiras soluções com iniciação de pagamento no país. As ITPs – Iniciador de Transação de Pagamento – são uma nova modalidade de Instituição de Pagamento, que foi ao ar com a Fase 3 do Open Finance, e cuja definição é uma instituição que “Inicia transação de pagamento ordenada pelo usuário final, porém não gerencia conta de pagamento, nem detém em momento algum os fundos das transações iniciadas”. Eu sou enviesado pra falar, mas acredito que as ITPs – são o “filho perfeito” da junção única no mundo de um sistema de pagamentos instantâneos (PIX), somado a um sistema de Open Finance completo e com participação obrigatória para os maiores custodiantes do país. Ao meu ver, dentre todas as inovações recentes, é a que tem o maior potencial transformador para nossa sociedade.
Nos últimos meses, empresas como Mercado Pago, Banco do Brasil e Bradesco começaram a disponibilizar ao público as primeiras soluções com iniciação de pagamento. Os primeiros casos de uso são simples e consistem principalmente na otimização de envio de dinheiro para carteiras virtuais (cash-in) e na busca por aumento de conversão em check-outs de E-Commerces.
Esses usos acontecem por meio de uma opção na jornada do cliente onde, ao invés de precisar digitar um número de cartão ou copiar uma chave PIX e precisar sair do ambiente do app e ir pro app do banco, o usuário é apresentado a uma lista de bancos, escolhe o seu, digita (ou, no caso de pagamento no e-commerce, confirma) o valor e então a mágica acontece – o usuário é redirecionado para o app do banco, onde é apresentada uma tela já pronta, com todas as informações do pagamento para aprovação e, com um clique o usuário já é redirecionado novamente para o produto original, onde ele pode retomar sua jornada. A diferença aqui está na experiência percebida de não deixar o ambiente em que está efetuando a transação, o que gera bem menos fricção. Ou seja, ao invés de manualmente sair de um app para o outro e copiar e colar informações, tudo ocorre no aplicativo em que o cliente está, e ele concede a autorização para acessar aquele montante em específico de forma muito mais prática e rápida.
Como a combinação de PIX+ITP é algo único do Brasil, não existem benchmarks exatos do impacto que irá ocorrer. O paralelo mais próximo vem de dados do Reino Unido, que foi o primeiro país a implementar a iniciação – o nome original, em inglês, é Payment Initiation Service Provider (PISP). Por lá, houve aumento de conversão superior a 30% via uso de iniciação, quando comparado a cartões e depósitos diretos.
Por aqui, os primeiros meses depois do lançamento da iniciação começaram devagar, enquanto as primeiras soluções ainda estavam em beta. Apesar de termos transacionado apenas R$40mil via a modalidade em Março deste ano, o uso tem crescido exponencialmente e, em Agosto, o valor transacionado via iniciação de pagamento no Brasil já ficou próximo à R$12 milhões, conforme mais produtos com iniciação entraram no ar. Um crescimento e tanto!
Alguns bancos e fintechs ainda estão apresentando bugs para lidar com a iniciação, o que é normal dado o tamanho da mudança. Temos tudo para ver o uso da modalidade, e o seu share de participação nas transações PIX como um todo, crescer em velocidade semelhante ao crescimento do próprio PIX, conforme os detalhes forem sendo corrigidos.
Isso dito, as verdadeiras quebras de paradigma das ITPs ainda estão por vir, mas num futuro (bem) próximo. Para 2023, temos em pauta o VRP (Variable Recurring Payments), que vai permitir que um usuário dê uma única autorização para múltiplos pagamentos – algo do tipo “eu autorizo app X a transacionar 5k/mês da minha conta do Itaú”. Esse formato de uso das ITPs tem o potencial de desacoplar completamente o custodiante / banco (onde seu dinheiro fica guardado) da experiência que você tem para interagir com ele.
Na prática isso quer dizer que você poderá ter seu dinheiro custodiado pelo seu banco de confiança / relacionamento / preferência, mas que não vai precisar usar o app do respectivo banco no seu dia-a-dia. Se você assim desejar, você terá a oportunidade de escolher entre dezenas de apps de pagamento, conforme o que oferecer a melhor experiência para você, mas sem precisar mudar onde seu dinheiro fica guardado.
Outro exemplo possível é ter um cartão conectado a mais de uma conta, e estabelecer regras de uso para ele, definindo em que casos você deseja que ele use dinheiro da onde. Pense então que você pode escolher manter seu dinheiro do dia-a-dia em uma conta com rendimento relevante do CDI, e definir que por padrão qualquer transação até R$500 seja debitada desta conta, mas caso falte saldo nela, você quer que o valor restante seja retirado de outra conta sua, que te oferece um melhor custo no cheque especial. Isso irá, pela primeira vez, desacoplar o cheque especial do rendimento da conta para seu uso cotidiano, algo que até hoje existe apenas como “pacote”. Se hoje você precisa escolher entre um banco ou outro para ter esses benefícios, você poderá escolher o que prefere de cada banco para compor sua experiência, e usar os novos apps que irão surgir para gerenciar seu uso.
Tudo isso, e muito mais exemplos do que tenho espaço para listar aqui, tem o potencial de gerar um impacto brutal em qualquer banco e fintech, porque será possível que um cliente interaja com o banco apenas 1 vez por ano para renovar as permissões dos apps conectados. Isso teria grande impacto, pois a camada de relacionamento com o cliente é onde existe o maior potencial de monetização via upselling: tempo de tela é a métrica chave para o sucesso da enxurrada de marketplaces, seguros, investimentos e afins que todo grande player financeiro parece estar oferecendo hoje.
O resultado final é claro, e reforça a tacada de mestre do BACEN, que vai dar resultado e vantagens pro Brasil por décadas à frente. Cada vez mais as empresas vão precisar se esforçar para oferecer serviços diferenciados, com qualidade, foco no consumidor e inovação constantes. As maiores barreiras de entrada, dos maiores negócios de players incumbentes, vão desaparecer bem antes do Elon Musk chegar à Marte, e o brasileiro vai sentir isso na pele, e no bolso, todos os dias.